Autismo em adultos: Você conhece as formas de identificar?

Nossa sociedade vem aprendendo bastante sobre o autismo nas últimas décadas, e por isso o transtorno tem sido representado em filmes, séries, livros e comentado também nas redes sociais. Tudo isso sem dúvida tem nos ajudado a conhecer melhor o TEA (transtorno do espectro do autismo), ao mesmo tempo em que contribui para o aumento expressivo dos diagnósticos. No entanto, o autismo não tem cura e não some com o tempo. O autismo em adultos existe e é tão comum quanto em crianças.

“Avisar” ao mundo que o TEA não termina na infância, é um desafio e um dever da nossa sociedade. As crianças autistas serão adolescentes, que se tornarão adultos e, mais tarde, serão idosos autistas. Portanto, devemos estar atentos às suas necessidades e a formas eficazes de apoiá-los e integrá-los em nosso meio. ¹

Se nesse momento você está se perguntando como é o autismo em adultos? Como identificá-lo? Ou qual a melhor maneira de lidar com o tema? Esse artigo foi feito para você!

Por que o autismo é infantilizado?

Mas se o autismo não é “coisa de criança” por que se fala tanto em crianças com TEA? Por que quase sempre ao lidar com assunto, nos vem em mente a imagem do menino no cantinho da sala? Bem, isso não acontece por acaso. Podemos dizer que existem duas principais razões para que isso aconteça.

Foto: Envato – zGel.

Primeiramente, porque os sinais do autismo surgem na primeira infância. A maioria dos pais de crianças com o transtorno suspeita que algo está “estranho” perto de 1 ano e 6 meses e busca ajuda antes que ela complete 2 anos. Entenda mais sobre os primeiros sinais do TEA:

Primeiros sintomas de autismo

Bebês que não buscam o olhar da mãe ao serem amamentados, crianças que não demonstram diferença entre o colo dos pais e o de desconhecidos, filhos que parecem surdos e não reconhecem seu nome ou não atendem ao serem chamados são alguns dos primeiros sinais.

Além disso, é bastante comum que os bebês não respondam a brincadeiras de outras pessoas e não façam as gracinhas típicas da idade, como por exemplo mandar beijinhos ou tchauzinho. A ausência ou demora em pronunciar as primeiras palavras também são sintomas frequentes.

Esses sinais tem ficado mais claros a medida que as pesquisas sobre o TEA avançam, e por isso, o autismo infantil parece ser mais “conhecido” do que o autismo em adultos.

Já aquela imagem do menino no canto da sala, é comum por conta dos comportamentos motores repetitivos (agitar de mãos, tronco ou cabeça) que também são sintomas do transtorno. E como ele é mais comum em pessoas do sexo masculino – quatro a cinco vezes mais em meninos do que em meninas, a imagem se estabeleceu como um estereótipo clássico do autismo. 2,3

Diagnósticos recentes

Outra razão para termos uma visão um tanto infantilizada sobre o autismo é o aumento no número de diagnósticos nas últimas décadas. O último relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos – divulgado em 2018 – mostrou um aumento de 15% no número de crianças com TEA em relação às pesquisas anteriores.

Isso não significa que transtorno seja mais comum agora do que era a anos atrás. Na verdade, o mais provável, segundo os especialistas, é que esse número tenha aumentado justamente porque agora conhecemos melhor os sintomas que aparecem na infância. 4

Isso pode significar que muitas pessoas adultas nunca foram diagnosticadas, e que, por isso, nunca fizeram qualquer tipo de tratamento. Além disso, como nem todo mundo sabe reconhecer os sintomas do autismo em adultos, o diagnóstico tardio fica mais difícil, e pode ser confundido com outros transtornos. 5

Entretanto, muitos autistas (mesmo que tardiamente) já tem o diagnóstico fechado. Só que isso não resolve completamente seus problemas. Para explicar melhor essa questão, vamos conhecer a história do Raphael Rocha Loures, de 35 anos, entrevistado pela Gazeta do Povo, 6 meses após receber seu diagnóstico:

 “Foi um choque e meu mundo desabou, pois tudo o que eu tinha como real era totalmente diferente em outras pessoas. Tive de reconstruir o que vivi em 35 anos sob um novo ponto de vista”

Ao contrário do que normalmente acontece, Raphael é quem teve de fazer o anúncio para a família. A primeira reação é sempre a descrença, pois ainda se associa o autismo a pessoas que não interagem ou a gênios.

“Depois que explico os detalhes é muito comum falarem que meus sintomas, como por exemplo a vontade de ficar sozinho, é algo que todo mundo têm. Mas no autismo isso é algo muito maior e a forma de lidar e sentir é diferente.”  6

autismo em adultos
Fonte: Envato – megostudio.

Desafios do autismo em adultos

Tanto para autistas sem o diagnóstico quanto para aqueles que já conhecem a sua condição, as dificuldades tem a ver com a linguagem, interação social, processos de comunicação e comportamento social. No entanto, os sintomas de autismo em adultos também variam conforme o grau de comprometimento funcional que o autista apresenta.

Os autistas mais leves geralmente sofrem com problemas para concluir um curso superior, trabalhar, manter um relacionamento amoroso e uma vida social padrão. Em outro momento da entrevista o autista Raphael desabafa:

“A linguagem corporal para mim é um buraco negro. Eu me comunico verbalmente, nem enxergo o resto. Isso é muito sério por que o mundo trabalha com essas habilidades sociais e espera que você faça e entenda essa linguagem.”

Os autistas mais severos, por sua vez, podem ter uma vida muito limitada, e até mesmo precisar de internamento no momento em que perdem seus cuidadores. 1

Sintomas de autismo em adultos

Quando falamos em autismo em adultos é preciso compreender que aqueles que não foram diagnosticados na infância, mas que vivem muito próximo do que se considera “normal”, ou seja: trabalham, estudam, sempre conviveram em sala de aula regular e constituíram família, os sintomas mais prováveis são aqueles que marcam o autismo leve, ou seja o nível menos grave do transtorno. 6

Os sintomas do autismo leve em adultos geralmente ficam mais evidentes nas áreas da interação e comunicação social do que no desenvolvimento cognitivo propriamente dito, já que eles não possuem nenhum tipo de prejuízo intelectual ou deficiência mental.

Alguns sinais podem ajudar a reconhecer o autismo em adultos. Confira:

Autismo em adultos: interação 6,7

O autista tem dificuldade para compreender regras sociais que não são óbvias, como por exemplo:

  • Pode parecer que a pessoa “não se liga” quando outra faz um sinal (por exemplo: gesto, olhar, careta) com o objetivo de transmitir uma mensagem, chamar atenção ou adverti-la de algo, porque as expressões faciais são difíceis de serem percebidas.
  • É comum que a pessoa tenha problemas para entender metáforas, ironias e piadas que têm duplo sentido ou uma mensagem “escondida”.
  • A pessoa pode parecer ingênua, não ver maldade nem malandragem e até mesmo malícia em situações que outras pessoas normalmente perceberiam rapidamente.
  • Os autistas podem ter dificuldade para ter empatia com o outro, por isso geralmente não percebem sinais emocionais sutis como por exemplo: tristeza, raiva, tédio e até de alegria, a menos que sejam bastante óbvias.
autismo em adultos
Fonte: Envato – Pressmaster.

Autismo em adultos: socialização 6,7

Nos casos de autismo em adultos, assim como no autismo em crianças, conectar-se com outras pessoas pode ser muito complicado. Do ponto de vista da socialização, os sintomas de autismo leve em adultos incluem:

  • A pessoa pode sentir desconforto ou estranheza na hora de dar ou receber afeto e se sentir incomodada com a proximidade, toque ou abraços de pessoas que não sejam muito íntimas.

Aqui, podemos dar como exemplo o depoimento de outro autista que descobriu sua condição depois de adulto. O nome dele é  Jacob Galon, 27 anos, ele sempre carregou o rótulo de tímido e antissocial e ouviu que o desconforto que os “toques” causavam nele era frescura. Hoje ele assume sua condição e mantém um blog e uma comunidade sobre o assunto no Facebook, trocando experiências com autistas de vários países.

  • Geralmente os autistas não ficam à vontade com demonstrações de carinho, mesmo com aqueles de quem são próximas, podem evitar beijos, abraços ou toque.
  • Tem dificuldade em compreender coisas abstratas como por exemplo: sensações, intuições, ideologias, etc.
  • Parecem encarar a vida de forma muito prática e objetiva.
  • Podem preferir falar de assuntos muito específicos, por muito tempo, e como tem dificuldade para perceber sinais sutis, muitas vezes não conseguem perceber quando as outras pessoas não estão mais interessadas no assunto.
  • Podem usar linguagem muito formal e parecerem inadequados ao ambiente.
  • Utilizam linguagem direta e podem ser percebidas como “grossas”, simplesmente porque são extremamente honestas com seus pensamentos e não percebem que podem chatear o outro.

Autismo em adultos: funcionamento 6,7

  • Apresentam muita resistência a fazer as coisas fora do planejado e sair da rotina, ficando ansiosos e irritados com isso.
  • Interesse pronunciado (hiperfoco) em ferramentas, instrumentos, mecanismos tecnológicos e coisas materiais.

Alguns autistas também podem ter um desempenho acima do comum em determinadas atividades, e serem considerados extremamente talentosos em suas áreas de interesse. Mas ao contrário do que se possa imaginar, apenas uma parte pequena dos autistas (cerca de 10%) está deste lado do espectro.

autismo em adultos
Fonte: Envato – stokkete.

Autismo em adultos: sensibilidade 6,7

  • Sofrimento intenso com barulhos incômodos e ambientes agitados.
  • Dificuldade em usar roupas de tecido não tão confortável.
  • Restrições alimentares: por exemplo, não gostar de comida com textura, cheiro ou gosto diferente do que está acostumada.
  • Também são frequentes outras alterações sensoriais, como muita sensibilidade a luz, por exemplo.

Agora que você já conhece bastante sobre o mundo do autismo em adultos, fique atento e compartilhe essas informações com outras pessoas. Se você identificou um conjunto desses sintomas em si mesmo ou numa pessoa próxima, procure orientação médica, a maior parte dos autistas podem superar muitas de suas limitações. Por isso, o diagnóstico e o tratamento são muito importantes!

Vale lembrar que enquanto sociedade, é nosso papel reconhecer e incluir os autistas em nossas escolas, universidades e também no mercado de trabalho.

Obrigada pela leitura!


Colaborou com esse artigo:

Dra. Fabrícia Signorelli Galeti
Psiquiatra – CRM 113405-SP


Referências bibliográficas e datas de acesso

1 – Autimates 24/02/2020

2 – Autismo Brasil – 24/02/2020

3 – Minha Vida – 24/02/2020

4 – Revista Crescer 24/02/2020

5 – Autismo em dia 24/02/2020

6 – Gazeta do Povo – 24/02/2020

7 – Entendendo o Autismo – 25/02/2020